sexta-feira

existia um fogão e a suportá-lo era uma pedra
de mármore, quase sempre bem limpa. mesmo
por baixo havia um lugar pequenino e escuro com
duas portas desalinhadas, difíceis de fechar. era ali
que estava a caixa, guardada, religiosamente, a caixa
de bolachas: as campechanas que a avó aurora nos ofereceu
naquele natal não recordo agora o ano
ao certo. lembro-me que não sorri quando
fui receber os tios à porta, nem à prima lúcia que
com a boca ainda lambuzada de iogurte e açúcar perguntava
à mãe se a deixava ir brincar
um bocadinho. eu queria que viesses
depressa e convencesses o cão a não ladrar
de cada vez que eu passava com os meus
brinquedos em frente do tanque da tua
mãe. ao certo, só havia a parede e o estendal
as molas enfraquecidas pela chuva e eu gostava
do frio das tuas mãos.