quarta-feira

é mesmo verdade? ela disse-me que sim,
que tinha visto um coração branco
a crescer num vaso azul e que no fundo
do vaso havia buraquinhos redondos
que o deixavam respirar sem nós sabermos.
ela repetiu que não estava a mentir
que era verdade, o ar entrava mesmo.
depois disto, não me quis contar mais nada
foi buscar a caixinha dos lápis
e sem que eu a ouvisse respirar começou
por medir o espaço entre as flores e parecia-me
que delas recolhia a luz ao fim da tarde
quando de vez em quando era a sua mão que subia
a afastar a franjinha do cabelo.
já está! tu não acreditas, pois não? mas é verdade
as flores é que não estavam lá
fui eu que as desenhei
para o coração não ficar triste.

domingo

geometria de um mundo pequenino

deixavas escorrer um pouco de água para dentro
de uma panela de alumínio. depois chamavas-me: filha
e ajeitavas a querer afundá-lo muito no útero
o teu vestido de pano. a água aguardava a velocidade da fervura
eu pousava as canecas de barro no tabuleiro, imaginava a geometria
de um mundo pequenino, calculava alto a tabuada do sete
e às vezes eu sabia que tu choravas e as nossas mãos
pareciam quase circulares quando víamos os meses a desaparecer na janela.
bebíamos o chá e dizias filha a querer muito os teus olhos estão cansados.
podemos esperar, mamã? e sentávamo-nos ainda com o quente
doce na boca a tentar entender a nudez das árvores.
depois à noite levantávamos as pernas ao alto e era uma casa de riso
quando debaixo dos lençóis nos descobríamos
duas meninas a crescer no tempo
e nos víamos adormecer.

quinta-feira

hoje brincamos na minha rua
pode ser? mas podes ser tu
a escolher a brincadeira. desenhamos
um coração num pedaço de terra
e nele o mundo?