sábado

há muito tempo que conversamos sobre as coisas
que não têm um lugar fixo nos móveis. a moldura é pequena
e mesmo assim, nela a imagem, a única a lembrar-nos
o apartamento e alguns objectos que aconteceram
naquele dia. às vezes, as plantas eram colocadas no chão
da varanda, perto da sombra causada pela roupa do estendal
ou ao lado da estante de pinho, no quadrado da sala.
temos de dar um lugar certo às coisas, um lugar onde
possam morrer para depois ficarem aqui, presas aos olhos
como uma luz sépia a confundir-nos o corpo todo e
a parte mais funda da terra. não havia mais nada
para dizer e tu inventavas as horas da tarde e o bairro
da tua rua era uma extensão de pessoas a esquecer
promessas e a olhar ao cimo, as duas torres da igreja.
naquela manhã pouco importaram as conversas. ela deixara
o quarto meticulosamente arrumado e a sopa ainda
ao lume. ninguém diria que teria sido possível vê-la
morrer assim, de pulsos cortados.